domingo, 25 de fevereiro de 2007

ODE AO MILITANTE, O CONHECIDO "HOMEM DO POVO SIMPLES", QUE SÓ OBEDECE ORDENS...E MATA ESPÍRITOS OU CORPOS PARA APRESSAR O "PROCESSO" POLÍTICO

Tu és o nada, Zé Ninguém, o nada absoluto. Não foste tu quem construiu esta civilização, mas sim um punhado dos teus melhores mestres. Quando te encontras integrado num processo de construção não fazes a menor idéia de que construção se trata. E quando alguém te solicita para que tomes a responsabilidade da construção chamas-lhe ´traidor do proletariado´ e corres a acolher-te junto ao Pai de Todos os Proletários, que não to solicta.

Nem és livre, Zé Ninguém. Não fazes a menor idéia do que é viver em liberdade. Não foste tu quem disseminou a peste emocional na Europa e na América? Pensa em Wilson.

“Ouçam, mas este tipo acusa-me a mim, um Zé Ninguém! Que poder tenho eu para influenciar o presidente do Estados Unidos? Eu cumpro meu dever, faço o que me manda o meu patrão e não me meto em altas políticas”.

E quando arrastas milhares de homens, mulheres e crianças para as câmaras de gás, mais não fazes que cumprir o que te mandamm não é assim, Zé Ninguém ? És tão inofensivo que nem sequer te dás conta do que se passa. És um pobre diabo que nada tem a dizer, sem opinião própria; quem és tu para te meteres em política? Eu sei, já te ouvi a mesma tirada com frequência. Mas deixa-me perguntar-te: porque não cumpres o teu dever quando alguém te afirma que és responsável pelo teu trabalho, ou que não deves bater nas crianças, ou seguir ditadores? Onde está então o teu sentido do dever, a tua inócua obediência? Não Zé Ninguém, tu não ouves quando fala a verdade, só podes ouvir o ruído sem sentido. E gritas então `Viva!´. És covarde e cruel, sem o mínimo senso do teu verdadeiro dever, o de ser humano e preservar a tua humanidade. És uma medíocre imitação do sábio e e extraordinária a da do ladrão. Os teus filmes, programas de rádio e histórias de quadrinhos abundam em toda a espécie de crimes. Terás de arrastar ainda durante séculos a tua mediocridade antes de poderes tornar-te senhor de si próprio. (…) Colocas os teus líderes em pedestais porque doutra forma não poderias ´fazer de conta´ que os respeitas. É por isso que, desde que a história é história, os grandes homens sempre souberam manter-te à distância….

(…)
Os ditadores e os tiranos, os aduladores e difamadores e os chacais sofrerão a sorte que outrora lhes foi anunciada por um velho sábio:

Plantei a semente de palavras sagradas neste
mundo.

Quando muito depois de morta a palmeira aluir
o rochedo;
Quando a magnificência de todos os reis não for
Mais que podridão das folhas secas;
Através dos dilúvios mil arcas guardarão a minha
Palavra:
Ela prevalecerá”.

O trecho acima foi retirado do livro pungente escrito por Wilhelm Reich: Rede an den kleinen Mann. O psicanalista, autor de textos atualíssimos como A Psicologia de Massa do Fascismo (1933) e Análise do Caráter(1933), ao fugir dos irmãos siameses, nazismo e stalinismo, na América caiu nas primeiras ondas do macartismo e morreu numa prisão federal em Lewisburg, Pennsylvania. Os seus livros foram queimados em 26 de junho e agosto de 1956. Em 17 de março de 1960 as restantes seis toneladas do seus livros remanescentes, diários e manuscritos, foram queimadas no Incinerador Público número 25, Nova York. Tornou-se contrário à lei imprimir seus escritos novamente.

É na prisão que ele escreveu o livro Reden an den kleinen Mann, no qual mostra o caráter fascista dos militantes, os que se imaginam "normais" e simples, prontos "apenas" a cumprir ordens e a estraçalhar a dignidade dos que não operam e julgam segundo os seus parâmetros. Todo partido que precisa de militantes assim, é inimigo jurado de toda e qualquer democracia, pouco importando o rótulo que usa na sua tarefa, se de esquerda ou direita.

O livro foi traduzido para o português, com o título que melhor corresponde ao "homúnculo" do original alemão: Escuta, Zé Ninguém. A publicação do texto traduzido (por Maria de Fátima Bivar) deu-se em 1971 (Publicações Dom Quixote, Lisboa).

O título, portanto, visa os que agem e juram pelo nome de Zé. Entre o universal e o nosso particular existe uma triste coincidência.

Roberto Romano

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O fascismo, em qualquer lugar ou Estado, ameaça a humanidade, começando com a que deveria imperar nos militantes. Mas o princípio da educação para a militância é justamente negar a humanidade em si mesmo. Para conseguir aplicar sine ira et studio as ordens que vêm "de cima". Para o militante de direita ou de esquerda, vale o que meu sargento repetia em voz alta, quando no Tiro de Guerra os recrutas eram treinados para a ordem unida: "rápido, ligeiro, prá não pensar, prá não perder tempo".



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