quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Revista Cult

Por que o Ocidente venceu ?

Roberto Romano

Platão condena a “caça ao homem” praticada nos conflitos entre povos e o teatro grego denuncia os sofrimentos dos que, devido às guerras, herdam a escravidão. “Ama a guerra quem nunca esteve nela” é o título do adágio erasmiano que precisa ser reproduzido no mundo inteiro. Erasmo expõe a miséria espiritual e física do belicismo. Um texto a ser filmado é o Paraíso Perdido de John Milton. Parece que Eisenstein planejou sua encenação. Naquele poema, Lucifer deseja o poder e desafia Deus Pai quando o Cristo é indicado como sucessor do reino celeste. Cheio de inveja, Satã ensaia um golpe de Estado e logo é expulso do Eden. O Paraíso Perdido descreve batalhas, emboscadas, canhões, coragem e trevas. Ao contrário dos cineastas holywoodianos, cujos heróis matam e são absolvidos por atrocidades cometidas, o demônio encarna o fracasso da guerra, visto que ela só reúne técnicas contrárias à vida. A luta pela hegemonia não tem fim, o pandemônio guerreiro avilta o cosmos divino em caos e barulho sanguinário. Dizem alguns que as críticas à guerra indicam “moralismo”. O melhor, argumentam, seria obedecer a natureza pois esta última exige o fato bélico. Poucos assumem o elogio das artes marciais com lógica coerente. Tucídides (A guerra do Peloponeso) apresenta o tema sem meias palavras. Quem o analisa sai convencido da legitima necessidade das batalhas ou é vencido por um horror sagrado, dirigido contra a arte de trucidar corpos e almas.

Victor Davis Hanson pode ser incluído no rol dos autores coerentes. Especialista na guerra antiga, ele conhece as nossas batalhas. Desde um pungente e magnífico estudo sobre o belicismo grego (The Western Way of War) ele tornou-se obrigatório nas bibliografias especializadas. Acadêmico de primeira plana, o autor apresenta hipóteses validadas por experimentos. Hanson usou seus alunos para testar o que diziam os antigos sobre a tarefa de destruir vinhas — essencial num conflito entre camponeses, como os gregos— e sobre o peso das armaduras, dos escudos, o tempo das corridas, etc. O domínio de toda a documentação, mais a cautela experimental, fazem dos seus livros fontes valiosas .

Os EUA produzem estranhos intelectuais empenhados. Na esquerda temos N. Chomsky, brilhante pesquisador do MIT, acadêmico que possui ampla obra crítica. Chomsky age, entretanto, não raro, como panfletário. Seus textos precisam ser lidos com cautela: entre análises geniais, escapa muito dogmatismo simplista em prejuízo do conhecimento adequado. Na paixão contra o Estado de Israel, ele assumiu slogans anti-semitas, o que lhe valeu admoestações de pensadores como Pierre Vidal-Naquet. Vitor Davis Hanson é o lado complementar, na direita, de Noam Chomsky. Seus escritos trazem a mesma paixão pelas próprias teses, as mesmas certezas dogmáticas (invertidas) de seu colega do MIT. A leitura de Hanson ensina muito sobre a guerra; o mundo antigo; as novas culturas do Renascimento e as formas atuais de controle civil e militar. Mas fica patente uma defesa apologética e irracional dos EUA e de seu poderio.

As teses de Hanson são translúcidas: os gregos inventaram a democracia, a liberdade individual, os direitos humanos, além do pensamento científico que lhes deu o controle do tempo e do espaço, essenciais em qualquer imperio. Com base neste legado os cristãos venceram o Oriente, apropriando-se inclusive dos inventos orientais para racionalizar e potenciar exércitos. As conquistas espanholas, portuguêsas, inglêsas, francêsas, belgas e alemãs no período moderno, até a Guerra do Vietnã e ao Iraque, devem-se à disciplina das tropas ocidentais unida à liberdade democrática. A democracia causa a superioridade científica e bélica do Ocidente, hoje consubstanciado nos EUA. O ethos guerreiro, alí, une-se aos hábitos racionais e à democracia. A soma daqueles itens produz a superioridade militar estratégica, que não se confunde, afiança Hanson, com qualquer apelo ao racismo ou a juízos etnocêntricos. Dificil acreditar, mas o autor jura sobre a Biblia que é assim….

Foi traduzido para a nossa lingua o seu trabalho mais denso : Por que o Ocidente venceu. Massacre e cultura – da Grécia antiga ao Vietnã (RJ, Ediouro, 2004, o original é de 2001), em cujas páginas desfilam as razões indicadas acima para o predomínio bélico do Ocidente. Se prestarmos atenção aos motivos, veremos que a citada hegemonia é definitiva e que muito dificilmente os inimigos dos EUA e da Europa poderão enfrentá-los com eficácia, sem apoderar-se das suas técnicas em geral, da ciência e do refinamento lógico. E sem adotar o regime democrático. O Ocidente venceu e vencerá em qualquer hipótese, porque os adversários, numa possível guerra mundial futura, empregarão armas, estratégias, disciplinas ocidentais contra o Ocidente. Para que seus batalhões possam operar com eficácia, eles deixarão a ordem política tirânica do Oriente (imaginem a China comunista) e se converterão ao mercado e à liberdade individual democrática.

Nos enunciados de Hanson nem tudo é exato. Várias afirmações suas sobre a Grécia antiga e sobre os EUA não ultrapassam a densidade do whishfull thinking. Mas trata-se de um contributo inteligente para a governança de G.W. Bush (apoiado entusiasticamente por ele), o que é novo para os que não aceitam os alvos imperiais norte-americanos. Urge desconfiar de análises simplistas sobre adversários. Dizer que Bush é um tolo filho de texano direitista (ao modo do simplório e patético —maniqueu em todos os sentidos— usado por Michael Moore) pode consolar. Mas fica esquecido o fato de que o presidente dos EUA dispõe de cérebros vivos e eruditos, como Hanson, para afinar argumentos e prever situações estratégicas. Nenhum império sobrevive sem violência física e carente de intelectos agudos. No Brasil, quando sob a ditadura a esquerda ria das piadinhas sobre os militares, supostamente idiotas, montou-se a máquina mais eficiente de repressão, desde a ditadura Vargas. Cautela com o riso quando se trata de Bush : ri melhor, como diz o Sobrinho de Rameau diderotiano, apenas quem ri por último. E nos faltam ainda muitos conhecimentos, técnicas, disciplina, liberdade e democracia para enfrentar os potentes “irmãos do norte”.

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Este espaço é uma tentativa de colocar à disposição de pessoas interessadas alguns textos teóricos, certas observações críticas, análises minhas e de outros.

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PROFESSOR DE FILOSOFIA UNICAMP