quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Uma antiga entrevista, antes que a Universidade do ABC fosse criada. Vale pelas analises da Universidade em geral.

Professor aponta valor da universidade no Grande ABC

Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC

Os países que empregaram recursos em suas universidades, desde o final da Idade Média até hoje, encontram-se no topo do mundo. Os que não fizeram isto, como o Brasil, nunca chegam à hegemonia, são dominados, apesar de sua pujança natural e humana. Este é o principal argumento do professor Roberto Romano, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Altos Estudos de Paris, na defesa da Universidade Pública Federal no Grande ABC. Romano lembra que essa aspiração – de reivindicar a criação de uma instituição de ensino pública – é legítima e remonta ao passado. Na época do Brasil-Colônia, o professor assinala, Portugal proibia a leitura até de livros científicos. Por isso, “os inconfidentes tinham como programa de governo instaurar no Brasil fábricas e universidades”.

Segundo o professor-titular da Unicamp, ao formar estudantes e professores para o uso de técnicas e conhecimentos amplos e profundos, a universidade entregará ao Grande ABC e ao país um conjunto de pessoas capazes de assimilar ciências e técnicas e passá-las à indústria, ao comércio, à gestão da coisa pública.

Romano é autor de vários livros, o último deles O Desafio do Islã e Outros Desafios, foi também coordenador do setor acadêmico da Frente em Defesa da Ciência e Tecnologia Nacional e assessor de vários fundações de auxílio à pesquisa.

Leia a entrevista, concedida com exclusividade ao Diário:

Diário – Quando surgiu a primeira universidade da história e em quais circunstâncias políticas?
Roberto Romano – A primeira universidade instaurada em plenitude foi a de Bolonha, no século XI. Ao contrário das outras que vieram depois dela, cujo interesse era centrado em Teologia, Medicina e Direito, Bolonha tinha um forte sentido jurídico. Ela foi mantida pela corporação de advogados, os quais tudo fizeram para dar aos estudos um significado laico. A preferência pelo Direito explica-se com base nas carências do comércio (que então renascia com as cidades, contra os feudos fechados e auto-suficientes), e pela estruturação nova dos poderes medievais, a Igreja Romana e os estados que naquele período davam seus primeiros passos. A cidade-estado na Itália era uma realidade naqueles tempos e assim foi até o século XVIII. Na vida privada, no comércio, no plano diplomático e na teoria do Estado a Universidade de Bolonha foi a grande referência.

Diário – De que maneira as universidades ajudaram determinadas civilizações a conquistar avanços técnicos e científicos?
Romano – Nas universidades medievais, os europeus aprenderam técnicas de ótica vindas dos árabes; cálculos e álgebra, astronomia; produção de instrumentos novos para a guerra; técnicas de construção civil; medicina. Eles também herdaram os saberes da filosofia, da política e do direito grego e romano, guardados nos mosteiros e nas bibliotecas dos árabes, em manuscritos. Com semelhante cabedal, os viajantes europeus e os pesquisadores tiveram o treino inicial que lhes permitiu emprestar mais tarde técnicas do extremo oriente, como a manipulação da pólvora e uso de armas de fogo (sobretudo as chinesas), dando-lhes uma eficácia letal nunca vista anteriormente. Com o Renascimento, a universidade guardou conhecimentos e os transmitiu às novas gerações.

Diário – Havia na época a mesma burocracia e o carreirismo que sufoca algumas instituições?
Romano – Na Renascença, as mesmas universidades tinham deixado de ser instrumentos de acúmulo e passagem de saberes e se tornaram órgãos burocráticos a serviço dos estados nacionais, da igreja ou dos mercadores. A maior parte das ciências naturais, das inovações técnicas, das humanidades, foi cultivada fora e contra a universidade. Como diz um dos maiores historiadores da Idade Média, Jacques Le Goff, a universidade, depois do século XVI, passou a ser apenas a “corporação dos queimadores de livros”. Neste movimento, a universidade foi mais um poderoso meio de conservação de saberes já adquiridos e menos um instrumento de inovação. Descartes, Spinoza, Francis Bacon, Leibniz e quase todos os grandes nomes da ciência moderna e da filosofia, tiveram problemas com a universidade. Mas, sem ela, pode-se afirmar, o saber de outras culturas (grega, árabe, indiana, chinesa) não teria passado à Europa e ao mundo moderno.

Diário – Qual o papel que uma universidade pública teria em uma região, como o Grande ABC, que enfrenta dificuldades, sendo o esvaziamento industrial a mais urgente?
Romano – Em primeiro lugar, a universidade serve para trazer saberes mundiais. Ao formar estudantes e professores para o uso de técnicas e conhecimentos amplos e profundos, ela ao mesmo tempo entregará à região e ao país um conjunto de pessoas capazes de assimilar ciências e técnicas e passá-las à indústria, ao comércio, à gestão da coisa pública. Para que isto se consiga, entretanto, é preciso que o ensino e a pesquisa sejam feitos com seriedade e rigor científico. Slogans e esperanças sem lastro, apenas tornam a população, os empresários, os trabalhadores, mais alheios à verdadeira essência do saber atual. Vender esperanças de ascensão social, ou similares, pode ser um caminho perigoso de auto-engano coletivo. A pesquisa e o ensino verdadeiros exigem laboratórios avançados, com instrumentos caros, com pesquisadores bem pagos, com alunos protegidos na sua labuta. A universidade custa caro em todo mundo.

Diário – Mas vale a pena?
Romano – Os países que empregaram recursos em suas universidades, desde o final da Idade Média até hoje, encontram-se no topo do mundo. Os que não tiveram esta prática, como o Brasil (durante toda a colônica, os portugueses nos proibiam até mesmo a leitura de livros científicos, não por acaso os Inconfidentes tinham como programa instaurar no Brasil fábricas e universidades) nunca chegam à hegemonia, são dominados apesar de sua pujança natural e humana. Países como a Coréia deveriam ser um paradigma a ser imitado pelo Brasil. Neles investiu-se muitos recursos nas universidades, aprimorando-se a produção industrial em larga escala.

Diário – Como uma universidade pública contribuiria para o Grande ABC aliar avanço tecnológico com produção industrial de qualidade?
Romano – A pesquisa e o ensino, quando feitos com disciplina e entusiasmo, recolhem saberes do mundo inteiro e asseguram a sua reprodução. Estudantes e professores que fazem mestrado ou doutoramento em países avançados trazem para o Brasil novos métodos, conceitos e tecnologias. É esta a base do crescimento contínuo da produção nacional e regional. Ninguém transforma procedimentos sem trocas com a coletividade planetária, sobretudo com os países que mais avançaram em setores em que o nosso ainda está no início. No Brasil, há 40 anos a pós-graduação deu um salto tremendo de qualidade e de quantidade. Temos bases para um crescimento inusitado em nossa história. É preciso, no entanto, saber aproveitar toda esta riqueza. Infelizmente as autoridades públicas, dos municípios à federação, marcam passo e prejudicam esse imenso trabalho de gerações de cientistas, docentes, técnicos.







Diário – O que será preciso para o governo federal criar efetivamente uma universidade pública no Grande ABC?
Romano – Digamos que seria mais estratégico perguntar o que o Grande ABC pode fazer, para levar ao governo federal propostas realistas de universidade pública aqui. Não tenho receitas de ação. Isto seria tola arrogância de minha parte. Mas creio ser importante, em primeiro lugar, que as autoridades dos municípios do ABC reúnam setores acadêmicos, empresariais, sindicais etc. para pensar o que seria mais adequado à região. Uma pauta pode ser definida, na qual entrassem estudos de viabilidade, custos, pretensões dos poderes públicos e da indústria, do comércio. Simultaneamente, um amplo debate com os contribuintes, os cidadãos. Finalmente, nunca chegar ao Ministério da Educação e demais ministérios e órgãos federais, sem saber exatamente o que se deseja. Caso contrário, os recursos serão de mais árdua apropriação, as justificativas serão menos eficazes. Evidentemente, o trabalho inteiro deve ser acompanhado e apoiado pelos deputados, senadores, vereadores (e também pelo poder judiciário que pode fornecer boas técnicas de viabilização jurídica) de modo permanente. Pressões devem ser feitas, sem tardança, por exemplo, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados em Brasília.

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